(Mais) Um espaço para a reflexão em dança e sobre ela. Esta é a configuração deste blog que acaba de ser lançado por uma das nossas mais importantes bailarinas clássicas brasileiras: Ana Botafogo. Um espaço para dividirmos ideias, conceitos, textos, memórias; para a publicação de ensaios, críticas, comentários. Para nos debruçarmos sobre a arte que fazemos por meio das palavras em movimento.
Neste nosso espaço e nos post assinados por mim ao longo deste ano, vocês sempre lerão textos publicados na Revista de Dança dirigida por mim, ao lado da Flávia Fontes Oliveira, que assim como o blog vem somar conteúdo e informação ao lado de tantos outros veículos de dança do Brasil.
O texto que escolhi para este primeiro post – Ekman, singular – foi escrito por mim em fevereiro, quando estive no Holland Dance Festival, em Haia, Holanda e é apenas um aquecimento para a apresentação do NDT1, no Brasil, em junho, nos palcos do Municipal do Rio e de São Paulo.
Aproveitem a leitura e dancem com as palavras.
Um brinde ao novo espaço!
Ekman, singular
Por Marcela Benvegnu, de Haia
Composto por três diferentes peças, o novo programa do Nederlands Dans Theater 2 (NDT2), denominado Offspring, revela mais do que excelentes e jovens intérpretes: a temporada aposta nos coreógrafos da casa, que já integraram o NDT 1, a companhia principal, como bailarinos. Uma sucessão natural e inteligente na busca por criadores que sabem olhar “de dentro”.
Gerald Tibbs, diretor artístico do NDT2, optou por duas estreias mundiais durante o Holland Dance Festival: I new them, de Johan Inger, e Left Right Left Right, de Alexander Ekman, foram apresentadas ao lado de Offspring (2006), de Lukás Timulak. Um programa com diversidade de linguagens contemporâneas e que fez o público sair com vontade de ver mais.
I new them é o segundo trabalho de Inger para o NDT2 e traz à cena uma apologia ao amor, ao desejo e à solidão. Sobre a música de Van Morrison, nove intérpretes apresentam uma coreografia marcada por movimentos fluídos, que ganham mais força nos duos e trios. O cenário, assinado pelo coreógrafo, é uma diagonal de mais de 30 tubos prata na vertical, pelos quais os intérpretes entram e saem, prendem-se e relacionam-se. Quando eles se aventuram pelo espaço, a plateia vê parte dos seus corpos, o que torna a movimentação ainda mais interessante.
Em uma linha mais futurista está a coreografia título da temporada. Timulak criou Offspring em 2006, inspirado pelo nascimento da filha. O trabalho mescla músicas experimentais com clássicas e pinta a cena e a plateia com raios laser que tomam conta do espaço. Com relação à movimentação, dança contemporânea de qualidade, mas sem uma dramaturgia forte que sustente a peça do começo ao fim.
O grande trabalho da noite é Left Right Left Right. Assinado pelo jovem Ekman, de 28 anos, a peça aborda diferentes dinâmicas de movimento. Ora os bailarinos parecem manequins a espera da nova roupa totalmente em pausa, ora são atletas em busca do primeiro lugar em uma corrida. Tempo, concentração e ritmo permeiam a coreografia que traz rastros do processo coreográfico para a cena. Em um determinado momento, a cortina se fecha e, no telão, é possível ver os bailarinos executando as mesmas sequências em diferentes espaços como escadas, metrôs, praças, ruas. Os depoimentos individuais revelam o estranhamento de muitos deles em relação ao olhar dos outros e como é diferente para um corpo acostumado à caixa-preta se aventurar por outras experiências.
Left Right Left Right é divertido. Por exemplo: uma bailarina de vestido vermelho que anda a passos lentos durante toda obra justifica o porquê está ali: “Machuquei o pé na primeira semana de montagem e só me restou ficar andando no palco com este longo vestido vermelho”. A plateia cai em risos. A iluminação assinada por Tom Visser dialoga com o figurino do próprio coreógrafo. O macacão cinza, como aqueles de presidiários, e uma luz fria gelo ficam quentes tamanha a precisão e a rapidez dos movimentos na cena.
E se já estava bom, fica ainda mais. É na segunda parte da obra que Ekman surpreende. O cenário inusitado revela 12 esteiras ergométricas ligadas, que ganham mais velocidade quando os bailarinos dançam sobre elas. Uns mais rápido deslizam sobre as plataformas como pranchas de surfe, outros caminham, correm, sapateiam. Cada qual se apresenta de forma individual e de repente todos estão iguais novamente. Homogeneidade, individualidade, grupo. Marcas de uma sociedade que é ao mesmo tempo singular e plural. Singular mesmo é Ekman.