“Giselle” – Ballet do Teatro Scala de Milão

O Corpo de Baile do Teatro Scala de Milão sem­pre foi, desde a sua cri­a­ção em 1813, uma das com­pa­nhias mais res­pei­ta­das de reper­tó­rio clás­sico do mundo. A Companhia teve um “apa­ga­mento” do seu bri­lho durante mais de duas déca­das, e foi para rever­ter essa situ­a­ção que, em 2009, o russo Makhar Vaziev, então dire­tor artís­tico do Corpo de Baile do Teatro Mariinsky (mais conhe­cido no Brasil com o nome antigo — Kirov) foi con­vi­dado para diri­gir a Companhia.

Antes de ir ao Teatro Municipal, li algu­mas crí­ti­cas que saí­ram nos jor­nais cari­o­cas sobre o assunto. O que mais me cha­mou a aten­ção foi o fato de todos tra­ze­rem uma ênfase enorme para o tra­ba­lho do dire­tor, ao invés de focar na crí­tica do bal­let, o que não é muito comum. Por exem­plo: quando o Kirov veio ao Brasil, as crí­ti­cas fica­ram na “Companhia”, com o The Nederlands Dans Theater fala­vam sobre o tra­ba­lho core­o­grá­fico acima de tudo. Já com o Scala, como disse antes, a crí­tica focou no Diretor.  E com razão. Após assis­tir pude tirar as minhas pró­prias con­clu­sões. Vê-se no palco o exce­lente tra­ba­lho do “todo”, que é, claro, tra­ba­lho de dire­ção de Makhar Vaziev.

A escola ita­li­ana de Ballet, ou Método Cecchetti de Ensino da Dança Clássica, sem­pre foi conhe­cida e reno­mada pela agi­li­dade no movi­mento das per­nas, prin­ci­pal­mente nos sal­tos e nos pas com grande efeito visual. Recebendo, por vezes, crí­ti­cas onde diziam fal­tar “poe­sia” na inter­pre­ta­ção de alguns per­so­na­gens român­ti­cos — por causa dos movi­men­tos brus­cos.  Após dois anos sob comando de um russo, o Corpo de Baile ita­li­ano hoje apre­senta uma influên­cia do método Vaganova, vista prin­ci­pal­mente nos movi­men­tos mais con­tro­la­dos e expres­si­vos das linhas dos bra­ços, que é uma das carac­te­rís­ti­cas do método russo.

A pró­pria ver­são apre­sen­tada na turnê bra­si­leira para os públi­cos Goiano, Mineiro, Paulista e Carioca é dife­rente da ver­são que o Scala apre­sen­tava no tempo da sua grande estrela Carla Fracci, e quem conhece a ver­são em que o Mariinky apre­senta Giselle, per­cebe as influências.

Na noite de sexta-feira, dia 20 de Julho, em que tive o pra­zer de assis­tir o espe­tá­culo, Petra Conti inter­pre­tou Giselle, Claudio Coviello o Príncipe Albrecht, o Pas de Deux Camponês foi dan­çado por Denise Gazzo e Frederico Fresi e Myrtha foi vivida por Alessandra Vassalo.

A supe­ri­o­ri­dade dos homens era vista em todos os momen­tos. Petra Conti, com toda a sua téc­nica clara, exata e segura, sus­ten­tou seu per­so­na­gem bem até o momento que ela era uma moça român­tica, ingê­nua e apai­xo­nada, mas per­deu o seu bri­lho quase que por com­pleto na Grand Scene onde a per­so­na­gem enlou­quece. Culpa da falta de matu­ri­dade como escreve Silvia Soter? Pode ser. Mas às vezes a falta de matu­ri­dade de uma jovem bai­la­rina na cena da lou­cura, sobra nas bai­la­ri­nas expe­ri­en­tes na inter­pre­ta­ção da inge­nui­dade do iní­cio do I Ato.

O que senti da lou­cura de Giselle, é que Petra Conti quis pas­sar a ima­gem de uma pes­soa que fica com­ple­ta­mente pasma e per­plexa quando des­co­bre a ver­dade sobre o seu amado. Mas o pasmo e a per­ple­xi­dade, a meu ver, são sen­ti­men­tos que exi­gem mais do tra­ba­lho facial que cor­po­ral. A par­tir daí passo a con­cor­dar que a falta de matu­ri­dade tem seu lugar, pois em um tea­tro grande como o muni­ci­pal do Rio, e o pró­prio Scala, pouquís­si­mos luga­res na pla­teia dariam a pos­si­bi­li­dade de obser­var deta­lha­da­mente a expres­são do rosto da bai­la­rina, enquanto o resto do tea­tro ape­nas veria uma bai­la­rina “parada”. Falando da inter­pre­ta­ção de gran­des bai­la­ri­nas ita­li­a­nas, temos a “decep­ção” demons­trada pela Giselle de Fracci e o “deses­pero” da Giselle de Ferri, sen­ti­men­tos que exi­gem muito tra­ba­lho cor­po­ral, além, claro, do facial.

Ainda no I Ato, devo falar da sur­pre­en­dente atu­a­ção de Frederico Fresi, que dan­çando ao lado de Denise Gazzo, foi tal­vez o maior bri­lho da noite. Com cada passo demar­cado nas col­cheias da par­ti­tura, a sua musi­ca­li­dade foi tama­nha, que foi sen­tida até na respiração.

No II Ato os heróis demons­tra­ram bas­tante sin­to­nia. Alessandra Vassalo sofreu um pequeno dese­qui­lí­brio no iní­cio, deixando-a inse­gura visi­vel­mente por algum tempo, mas se recu­pe­rando depois.

Com cer­teza essa não foi a melhor repre­sen­ta­ção de Giselle que vi. Um ponto que foi visto e inco­mo­dou tan­tos espec­ta­do­res, foi a falta de homo­ge­nei­dade téc­nica entre os bai­la­ri­nos, e a dife­rença entre o bio­tipo físico deles. Mas isso tam­bém acon­tece no Brasil. As nos­sas Companhias são for­ma­das basi­ca­mente por bai­la­ri­nos vin­dos de dife­ren­tes esta­dos e pro­fes­so­res, e para mim, isso foi uma lição ins­pi­ra­dora que é pos­sí­vel, ape­sar des­sas dife­ren­ças, fazer um espe­tá­culo de alto nível e exi­gir do corpo de baile que este seja real­mente um único corpo, e isso Makhar Vaziev con­se­guiu fazer com maestria.

Por fim, gos­ta­ria de para­be­ni­zar a equipe da Dell’Arte pelo tra­ba­lho desen­vol­vido na pro­du­ção cul­tu­ral, pro­por­ci­o­nando ao público bra­si­leiro a pos­si­bi­li­dade de assis­tir nomes con­sa­gra­dos da arte mundial.

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