Gosto de sentar na sala de aula e observar as pequenas bailarinas que chegam para seu primeiro dia na escola de dança. Percebo em seus olhares uma inocente ansiedade para iniciar o mais rápido possível seus estudos, aprender os primeiros movimentos e saírem dançando por onde passam. Após um período em uma turma de baby class ou pré-ballet, elas ainda não têm noção da quantidade de informações que receberão já no primeiro dia de aula.
Em minha formação clássica, os dois primeiros anos fizeram toda a diferença. Neles tive contato com o cerne e a base da técnica do ballet que me auxiliaram, e muito, na compreensão, na execução e no ensino de toda a metodologia ao longo de meus estudos. Dessa forma, a minha preocupação com os anos de formação iniciais dessas crianças é um ponto constante em meu trabalho.
A cada concurso, festival, curso de férias ou workshop do qual participo tenho a oportunidade de observar o trabalho de inúmeras escolas com suas crianças. Muitos trabalhos de qualidade são apresentados, coreografias nas quais é perceptível a preocupação com uma delicada lapidação da técnica clássica. Porém, nem tudo é tão belo assim. Alguns trabalhos se destacam pelo excesso e sobrecarga de informações impróprias para a maturidade física das crianças, desprendidos do cuidado com o aprimoramento necessário dos anos iniciais, com a decomposição de cada movimento. Em outros, consigo vislumbrar a forma banal, exageradamente lúdica, com a qual o ballet é ensinado aos pequenos, criando-se, então, um hábito de coreografias não-infantis (o que é naturalmente próprio dessa faixa), mas, sim, infantilizadas (despreocupadas com a base formativa do ballet clássico).
A partir desse contexto, paro e me pergunto: como devem ser as aulas dessas crianças que, pela idade, possivelmente estão em um 1º e/ou 2º ano de uma escola de dança? Será que há uma preocupação, por parte do professor de transmitir, com muito cuidado e muito detalhe, a base da técnica clássica? Os exercícios são fixados mais de uma vez em diferentes momentos de uma mesma aula? Essas crianças realmente compreendem, dentro de suas possibilidades cognitivas, as posições de braços e pernas por exemplo? Reflito bastante, reavalio minhas próprias aulas e procuro proporcionar uma fundação bem sólida no aprendizado dos primeiros passos de cada aluno meu.
Em uma aula de 1º e 2º anos de formação clássica, conceitos como épaulement, port de bras, posições de braços, posições de pés, plié, relevé, tendu e jeté, bem como o posicionamento do corpo, o fortalecimento da musculatura do quadril, abdômen e costas, precisam estar bem fixados. Afinal, todos nós, bailarinos e professores, sabemos que esses são requisitos basilares para todo o desenvolvimento da técnica clássica, não sabemos?!
Os exercícios de introdução e, posteriormente, fixação de cada um desses conceitos necessitam ser decompostos e transmitidos de forma calma, clara e bem coerente. Uma prévia explicação é sempre necessária, e a repetição da mesma deve ser constante. Os movimentos não necessitam ser ensinados de forma “atropelada”, pulando etapas ou de maneira superficial para que possamos avançar com a matéria dada. Pelo contrário, o objetivo desses dois anos iniciais da formação do bailarino clássico é justamente fixar bem a base da técnica clássica. As aulas precisam conter todas as etapas: alongamento e fortalecimento da musculatura, exercícios na barra e a fixação dos mesmos no centro.

Os saltos necessitam de uma atenção especial, pois a função do plié nesse momento deve ser lembrada e relembrada a fim de evitar possíveis lesões futuras. Começamos com os saltos básicos, de duas pernas para duas pernas, e avançamos conforme a maturidade de cada turma. É preciso ter paciência e perseverança para se obter sucesso a longo prazo com o trabalho dos pequenos bailarinos. O professor que leciona em turmas iniciais necessita reciclar seus conhecimentos técnicos e metodológicos de tempos a tempos no intuito de enriquecer ainda mais sua forma de trabalhar. Desse modo, tanto ele quanto seus alunos sairão ganhando. Sei bem que, nessa fase, as aulas parecem ser “chatas” ou lentas demais, há dias até em que terminamos com a sensação de que não saímos do primeiro exercício por repetir a mesma explicação cerca de cinco vezes, mas acreditem em mim: é bem melhor assim.
Quando trabalhamos de forma tranquila, seguindo um programa de curso bem estruturado, um plano de aula elaborado em benefício do aluno e certos de que os movimentos estão sendo constantemente relembrados, terminamos o ano com a certeza de que o básico, o necessário para que o bailarino desenvolva todo o seu conhecimento técnico sem danos físicos futuros foi ensinado e muito bem fixado. Fica aqui, então, a dica para todos os professores de ballet: parem, analise suas aulas, reavaliem seu trabalho, pesquisem, reciclem conhecimentos e proporcionem aos seus alunos uma base sólida e forte do ensino da técnica clássica. Afinal, grandes bailarinos se formam desde o primeiro ano de ballet!
(Fotos: Centro de Artes Savassi / My Art / Famamachine / Jofrey Ballet Schooll / Westover / Tutu School / Reprodução Internet)