No dia 11 de Março de 2017 estreou um novo ballet para os amantes de repertório e histórias, Casanova. Coreografado por Kenneth Tindall na música de Kerry Muzzey. O Ballet, em dois atos e onze cenas, é dançado pelos bailarinos do Northern Ballet no Grand Theatre da cidade de Leeds, na Inglaterra. A primeira temporada ocorre do dia 11 ao dia 18 de Março. Eu assisti ao espetáculo do dia 15 de Março. O ballet conta a história de Giacomo Girolamo Casanova (1725-1798), baseando-se na biografia de Casanova escrita por Ian Kelly, que também assina o libreto.
Casanova, nascido em Veneza, teve a sua história transformada em um símbolo do século XVIII na Europa. Este século representa uma constante dicotomia entre o sagrado e o profano. O século XVIII é a época da caça às bruxas e das festas regadas a bebidas e orgias. Casanova foi músico, escritor, matemático, bibliotecário e “concumbino”. Ele foi condenado pela inquisição por se interessar por cabala e ciências “modernas”, como a medicina. Conseguiu fugir de forma cinematográfica pelo telhado da sua prisão, ou pelo menos assim o descreveu em sua autobiografia “História da minha vida” (Historie de ma fuite).
O ballet começou com uma dança em uníssono de monges, representando a primeira parte de vida de Casanova, quando estudava para a vida eclesiástica, e trouxe desde então o interesse do herói por literaturas proibidas. Um livro vermelho que, fazendo jus à época que estamos, ao ser aberto brilhava uma luz led cor diamante, que contrastava com a escuridão do mundo ao redor.
Por falar em luz, a iluminação de Alastair West merece crédito não só pelos efeitos, mas pela habilidade com que a iluminação integrou o enredo, tornando-se por vezes a única responsável por “mover” o drama, ou seja, por contar a história. Assim foi na condenação do Padre Balbi, quando um largo foco de luz, que desenhava uma vidraçaria no chão do palco, foi se fechando, até deixar o bailarino em total escuridão. Assim também foi no infarto do Senador Bragadin, onde Casanova salva-o ao aplicar seus conhecimentos de primeiros-socorros aprendidos nos livros proibidos pela igreja. Esse momento foi contado apenas por flashes de luz onde canhões de luz ora da esquerda, ora da direita, ora de cima, iluminavam os bailarinos em cena, cada hora em uma pose conjunta.
Outro ponto marcante deste ballet é a exploração da decoração, criada por Christopher Oram. A decoração durante o primeiro ato era formada por três grandes pilastras que se movimentaram quase que ininterruptamente, demonstrando ambientes diferentes a cada cena. Grandes portas espelhadas foram abertas e por vezes substituíram as pilastras no segundo ato. Lindas portas que traziam luminosidade ao placo nos momentos de festa e orgia. A decoração dançou, literalmente. Os bancos na missa giravam, as pilastras iam para frente e para trás, a mesa, cadeiras, poltronas, espelho e tudo mais entravam e saiam de cena levados pelos bailarinos que os giravam como piruetas, às vezes de forma exagerada. Exagerada também estavam as marcações da decoração no palco. Aquelas fitas adesivas que marcam o local onde o objeto, ou o bailarino deve ficar. Tinham fitas espalhadas por todo o palco, de todas as cores.
Os figurinos, também de Chistopher Oram, foram muito bem elaborados, bonitos, sensuais e interessantes, que demostravam o estilo da época de forma contemporânea, ou seja, sem nenhuma intenção de fazer uma ‘mímica’ das roupas de época.
A coreografia de Tindall misturou um alto padrão de dança clássica com movimentos básicos de dança contemporânea. Os pas de deux belos e tecnicamente difíceis, danças coletivas fortes e cada uma com a sua característica. Uma coreografia linda que explorou a sensualidade dos bailarinos de forma sutil, e a sexualidade dos momentos de orgia de forma respeitosa e bela. Em nenhum momento me senti incomodada pela sexualidade que permeou o ballet do início ao fim. Tindall fez isso de uma forma impressionante, até o nu de Casanova, no momento em que ele vira concumbino da Madame de Pompadour, teve seu lugar e não me pareceu desnecessário. Foi belo. Explorar tanto os relacionamentos héteros, como os homossexuais de Casanova merece todos os meus aplausos. E pela reação do público masculino, não aparentaram incomodados com as cenas que representavam o sexo entre homens. Casanova, um lindo bailarino de porte atlético, interpretou e dançou o seu papel com maestria.
Tenho apenas uma crítica a fazer com referência ao trabalho do coreógrafo. Muitas cenas não ficaram claras, principalmente no primeiro ato. Por exemplo, o senador Bragadin, apaixonado por Casanova, flagra-o com a freira M.M. e todos saem correndo pelo lado esquerdo, enquanto no canto direito, um homem todo vestido de vermelho levanta o branco apontando para a direção por onde eles correram. Daí a entender que Bragadin veio avisar Casanova que a inquisição estava atrás dele, só lendo o programa.
Por falar em programa, devo registrar a minha indignação. O programa, um lindo livro de tamanho A4, com papel grosso fosco, fotos e comerciais, traz o nome de todos os envolvidos, inclusive uma foto do rosto de todos os bailarinos. Porém, não diz quem interpretou qual papel. É inadmissível um programa não dar créditos aos seus artistas. Que acrescentassem uma folha avulsa com os bailarinos principais do dia.
A música de Kerry Muzzey foi bonita, porém sem desenvolvimento e com uma harmonia bastante semelhante do início ao fim. Baseada em melodias dispersas que iam e vinham, a música não acompanhou a história dramática, não mudou as suas características no decorrer das diversas facetas do herói e do enredo. Confesso que no meio do primeiro ato pensei estar ouvindo uma trilha sonora de um filme, ao invés de um ballet de enredo. Após ler sobre o compositor, descobri que ele compõe para cinema e que esse é o seu primeiro trabalho para o teatro.
Link para o trailer oficial:
https://www.youtube.com/watch?v=5TUdxK_Y-mo