No último dia 25 de maio, no centro cultural “Cast”, em Doncaster, Inglaterra, estreou mundialmente o ballet “O Menino do Pijama Listrado”. Baseado no livro homônimo do escritor irlandês, John Boyne, lançado em 2006, a história foi adaptada para um filme de longa-metragem, em 2008. O enredo dramático é simples e linear, porém denso.
O menino Bruno, belamente interpretado por Metthew Koon, é filho de um general da SS, o exército nazista. O general, interpretado por Javier Torres, é promovido à comandante e se muda de Berlim com a família. Bruno, seu pai, sua mãe (Hannah Bateman) e a irmã Gretel, de 13 anos. Interpretada por Antoinette Brooks-Daw, Gretel chamou a atenção pela doçura e precisão.
Assim que abriram as cortinas, a primeira cena nos situou em tempo em espaço. Uma sala fria com luz entrando por uma vidraça bem acima da mesa de madeira, posta em um pequeno elevado, onde o comandante trabalhava. Uma águia prateada, símbolo do exército alemão, era a única peça de decoração além da mesa. A decoração do ballet, criada por Mark Bailey, foi simples, objetiva e eficaz. Em especial a cerca.
Com um lado mais alto que o outro, a cerca atravessava o palco em linha reta e transmitia a ideia da imensidão de ‘out-with’. Esse é o nome do local, segundo Bruno, um menino de 8/9 anos. Out-with é provavelmente Auschwitz. Na longa cerca, Bruno conhece Shmul (Filippo Di Vilio). Um menino que vive do outro lado e veste um pijama listrado. Os dois, que tinham a mesma idade, ficam amigos. Bruno visita-o regularmente e um dia decide entrar no campo de concentração para ajudar Shmul a encontrar seu pai. Shmul leva para Bruno um pijama como o dele e os dois se misturam com outros prisioneiros. São levados a uma sala onde devem entregar os uniformes listrados, e mortos numa câmara de gás.
O pai de Bruno, que se tornou o diretor de ‘out-with’ como parte da sua promoção, fica desolado ao encontrar, junto com a sua esposa, as roupas de Bruno do lado de fora da cerca.
O coreógrafo Daniel Andrade, que é Brasileiro, conseguiu, explorar o temperamento de cada personagem, não só através de sua coreografia, mas também através da plasticidade individual dos bailarinos. Com cada movimento cuidadosamente escolhido e trabalhado, a coreografia de Andrade mostrou riqueza de detalhes, porém, nenhum desnecessário. Houve muita dança durante todos os momentos, inclusive em momentos onde tradicionalmente se faz mise-en-scène, como cumprimentos. Através de soluções teatrais fantásticas e cenas muito bem costuradas, Daniel de Andrade transmitiu com maestria a história proposta.
A promoção do pai de Bruno foi encenada pelo Fury em uma bela dança com soldados. O Fury, que em inglês quer dizer fúria, é a interpretação/pronúncia de Bruno para Führer (Hitler). Esse jogo de conceito e sentido está na obra literária de Boyne. Porém, o coreógrafo Andrade foi além. Daniel Andrade, em uma solução teatral fantástica, transformou Fury em um personagem. Fury representa o mal e manipula os personagens centrais do exército SS na trama. Mlindi Kulashe, interpretando Fury, vestia negro e em todos os momentos aparecia com uma máscara de gás no rosto.
Além do pai de Bruno, o outro personagem manipulado por Fury é o Tenente Kotler, que está baseado em ‘out-with’ e é quem recebe o comandante ao chegar com a sua família. Ele é cruel e sente prazer em humilhar e maltratar os prisioneiros e empregados. Característica essa que chama a atenção da menina Gretel. Gretel é cheia de vida, esperta e ágil. Uma aluna aplicada. Porém, o conteúdo ensinado na educação nazista não agrada à sua mãe. Inclusive, esse é um motivo de discussão entre o casal, pais de Bruno e Gretel.
Bruno não tem muito interesse nos estudos, porém, gosta de explorar. Foi em uma das suas “escapulidas” que descobriu a cerca. Uma solução teatral interessante foi o jogo de luz que ajudou a aumentar a distância entre a casa de Bruno e o campo de concentração. Toda vez que o menino ia ao campo, ele fazia o mesmo trajeto, que era demarcado por uma faixa retangular de luz por onde o menino passava. Reto pelo avant-scène, na diagonal para o fundo, reto no fundo, diagonal para frente e mais uma linha no avant-scène. Era nesse último trajeto onde a cerca descia para dividir o palco.
A iluminação de Tim Mitchell teve um papel também significante na ambientalização das cenas. Por vezes, dividindo o palco em dois, três ambientes simultâneos. A iluminação foi feita por luz branca. Os efeitos cinzas nos transportavam para dentro de uma escuridão fria. Cor foi usado apenas uma vez, um foco de vermelho intenso, quando o Tenente Kotler foi rebaixado e enviado para a guerra como soldado de frente de batalha. Isso como punição por ter se envolvido com a esposa do comandante. Penso que cores poderiam ter ajudado a transmitir a atmosfera das cenas, além da ambientalização.
A música de Gary Yershon teve suspense, intriga e ingenuidade, transmitido pelo piano, que foi usado como leitmotiv de Gretel. A música por si só é muito difícil e apresenta algumas linhas melódicas simultâneas. Não foi uma música “dançante”, como é comum em ballets. Porém, o que poderia ter representado dificuldade, transformou-se em liberdade para a criação de cenas e danças.
A cena mais forte do enredo foi o momento em que os prisioneiros eram executados na câmara de gás. Um belo momento onde os prisioneiros, após se despirem e entregar os uniformes, entram para uma câmara, demarcada apenas pela entrada. Forte fumaça começa, então, a descer em cima dos prisioneiros. O enredo dramático não ajudou para termos um final marcante, que fixasse na memória. Na última cena do ballet, o comandante ficou chorando em cima das roupas do filho, e a Fury triunfando em suas costas.
Escute Daniel Andrade em entrevista:
https://www.youtube.com/watch?v=L6owWrAKhcM
Chamada para o ballet:
https://www.youtube.com/watch?v=LzEadETHrRw&feature=youtu.be