O ballet “La Sylphide” foi revolucionário e determinante para o desenvolvimento posterior da arte do ballet em sua forma de espetáculo. Após a revolução francesa em 1789, o sentimento de que a existência não mais era fácil e harmoniosa na atmosfera anônima e opressiva da revolução industrial, deu-se origem ao pensamento Romântico: a dualidade entre o mundo real e dos sonhos.
La Sylphide foi o primeiro ballet a expressar completamente a filosofia Romântica, onde o herói está prestes a sucumbir dentro do “status quo”, mas desiste de tudo para buscar a verdadeira felicidade. Ele introduz uma visão lírica de um mundo sobrenatural, paralelo à realidade, povoado por seres tão impalpáveis quanto os sonhos. Ao perder o sonho, o herói também perde a sua vida.
O ballet La Sylphide foi coreografado por Filippo Taglioni, especialmente para a sua filha, a legendária Marie Taglioni. O libreto escrito pelo tenor Adolphe Nourrit, que teve a ideia inicial do ballet, foi inspirado no conto de Charles Nodier “Trilby, ou Le lutin d’Argail”. No livro, a história é sobre um duende e a esposa de um pescador, mas para o ballet, os sexos dos protagonistas foram trocados, passando a ser sobre um fazendeiro e uma “fada” — isso daria mais oportunidade de explorar a dança da bailarina.
Com música do compositor francês Jean-Madeleine Schneitzhoeffer, o ballet estreou em 12 de Março de 1832 na Salle Le Poletier da Ópera de Paris. Foi um grande sucesso e Marie Taglioni tornou-se, de imediato, a “divina Taglioni”.
Marie Taglioni em La Sylphide, 1832.
No espetáculo exposto em dois atos, o primeiro retrata a vida mundana em algum lugar da Escócia, enquanto o segundo ato acontece em uma floresta e apresenta seres sobrenaturais. Pela primeira vez, a dança teve mais espaço que a pantomima e os movimentos foram pensados e compostos como forma de transmitir o enredo da história. Também, pela primeira vez, a sapatilha de ponta foi utilizada como forma de transmissão das ideias, parte da composição do personagem. A Sílfide — Taglioni — se apresentou fazendo uso desta técnica do início ao fim do ballet, técnica que mais tarde foi chamada de “dança clássica”.
Para o Segundo Ato, foi desenhado um vestido que descia um pouco mais baixo do joelho, feito de material transparente e de cor branca. Esse figurino, assinado por Eugène Lami, tornou-se o primeiro tutu de ballet, e o ato em si, associado ao tutu, deu origem a uma das marcas do ballet romântico: “les ballets blancs” – ou balés brancos, onde pelo menos um dos atos da obra, ou toda ela, se passa em um mundo inexistente ou ambiente neutro, com os seus personagens vestindo basicamente branco. Em geral, é dançado pelo corps de ballet feminino.
Em 1834, dentre os espectadores de “Le Sylphide” em Paris, estava August Bournonville, coreógrafo e bailarino do Teatro Imperial de Copenhague. Ele se encantou pela obra e dois anos mais tarde, em 1836, resolveu montá-la na Dinamarca. A ideia inicial era remontar a versão original de Taglioni, mas a Ópera de Paris cobrou um preço muito alto pela partitura de Schneitzhoeffer, inviabilizando os planos e empurrando a solução para uma nova versão. É a versão de Bournonville, estreada em 28 de Novembro de 1836, com música de Herman Severin Løvenskiold, que mais conhecemos hoje. Esse espetáculo nunca saiu de cartaz no Royal Danish Ballet.
O coreógrafo francês Pierre Lacotte tentou remontar a versão original de Taglioni, em 1972, para a Ópera de Paris. Como a coreografia original já havia se perdido, ele se baseou em notas, desenhos e explicações arquivadas da época da criação do ballet. A coreografia de Lacotte é no estilo da época, mas completamente nova, o que lhe rendeu algumas críticas como sendo não autêntica.
A versão de Lacotte é a mais dançada pelas companhias brasileiras. Segundo o site do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a primeira montagem deste ballet no mais importante palco do país foi durante a direção de Emilio Kalil, que foi de 1995 a 1998.
Personagens:
James Ruben: um fazendeiro escocês.
A Sílfide: uma fada, um espírito das florestas nórdicas.
Gurn: amigo de James.
Effie: A noiva de James.
Madge: a feiticeira.
A mãe de Effie.
Enredo:
Ato I – Uma casa de fazenda escocesa.
James, um fazendeiro escocês, irá se casar com uma moça chamada Effie. Na noite de véspera do casamento, James dorme em uma cadeira perto da lareira. Uma Sílfide aparece e dança o seu amor por ele, depois lhe dá um beijo. James acorda e fica encantado pela visão. Ele tenta segurá-la, mas ela voa pela chaminé. Ele acorda o seu amigo Gurn, que diz não ter visto nada, e lembra James que hoje é o dia do seu casamento.
Effie chega com a sua mãe e madrinhas. A bruxa Madge aparece no lugar onde a Sílfide foi vista por último — perto da chaminé. James vai até lá e fica desapontado por não ser a Sílfide. Ele tenta expulsar a bruxa, mas é contido pelos convidados que querem que ela leia a sorte deles. Dentre as previsões, Madge diz a Effie que ela se casará com Gurn, e diz que James ama outra pessoa. O noivo, furioso, expulsa a bruxa de casa.
Enquanto todos se arrumam para o casamento, James fica a sós na sala, quando Sílfide reaparece. Ela confessa o seu amor por ele, que acaba não resistindo, e a beija. Observando escondido à cena, está Gurn, que secretamente ama Effie. Gurn vai atrás de Effie para contar o que ele tinha visto, mas ao retornarem, a Sílfide já tinha desaparecido.
Começa o casamento, Sílfide reaparece, pega a aliança de James e foge para a floresta. James, apaixonado, larga tudo pra trás e corre atrás dela. Effie fica desolada em lágrimas.
Ato II – A floresta encantada.
O Segundo Ato começa com Madge e outras bruxas dançando em volta de um caldeirão onde ingredientes estão sendo jogados. De dentro do caldeirão, Madge tira uma echarpe. James e a Sílfide entram, ela mostra a ele o seu mundo, convidando as outras Sílfides a entreterem James dançando. Todos eles dançam, mas a Sílfide sempre evita as aproximações e os abraços de James. Todas voam para outra parte da floresta.
No mesmo momento, os convidados do casamento de James com Effie procuram por ele na floresta. Gurn acha o chapéu de James, mas Madge diz para ele não contar nada a Effie, e o sugere pedir Effie em casamento. Ele assim o faz e ela aceita.
James encontra Madge, que lhe dá a echarpe dizendo que se ele colocá-la ao redor da Sílfide, as suas asas cairão, fazendo com que ela não possa mais voar. Sílfide entra e permite que James lhe coloque o presente, mas quando isso acontece, as suas asas caem e ela morre nos braços dele. As outras Sílfides levam o seu corpo sem vida embora.
Madge entra e mostra a James o que ele perdeu: ao fundo, pode-se ver as festividades do casamento de Effie e Gurn. Ele sucumbe, caindo no chão. O ballet termina com a Bruxa triunfando sobre o corpo de James. O mal vence.
Fatos curiosos:
Em 1836, o compositor Løvenskiold tinha apenas 21 anos. Marie Taglioni tinha 28.
O momento em que Gurn encontra o chapéu de James, e Madge diz para ele pedir Effie em casamento, foi introduzido por Bournonville.
O elenco original na versão de Talgioni foi Marie Taglioni e Joseph Mazilier. Na versão de Bournonville: Lucile Grahn e o próprio August Bournonville.
Em 1892, Marius Petipa remontou a versão de Taglioni no Teatro Imperial em São Petersburgo, adicionando música de Riccardo Drigo. A variação composta por Drigo para a bailarina Varvara Nikitina, que interpretava o papel de Sílfide, foi depois, em 1904, colocada por Ana Pavlova no Grand Pas Classique do ballet Paquita. É hoje a variação dançada pela bailarina líder. (Segundo o site em inglês da Wikipedia)
Na versão de Johan Kubborg, feita para o Royal Ballet de Londres em 2005, Madge, no final, levanta um pouco a sua saia mostrando parte de um tutu, sugerindo que ela mesma era uma Sílfide caída.
O ballet La Sylphide é constantemente confundido com o ballet “Les Sylphides”. Les Sylphides também é um ballet blanc, coreografado por Mikhail Fokin com música de Frédéric Chopin, orquestrada em 1892 por Alexander Glazunov. A suíte foi intitulada “Chopiniana Op. 46”, título pelo qual o ballet “Les Sylphides” também ficou conhecido. Na Rússia, inclusive, ele é muito mais conhecido como Chopiniana.
A ordem do ballet na partitura de Severin Løvenskiold:
Ato I
- Overture (abertura)
- Introdução
- A entrada de Effie
- James – Effie – Madge. Cena da leitura da sorte
- James e a Sílfide – Cena da Janela
- Chegada dos convidados – Pas d’Ecossaise
- Pas de Deux – Reel
- Finale
Ato II
- Cena da Bruxa
- James e Sílfide – Cena da Floresta
- A Sílfide chama pelas outras Sílfides
- A cena das Sílfides – Divertissement
- James perseguindo a Sílfide
- Gurn – a bruxa – Effie
- James e a bruxa – a echarpe
- Finale
- Finale: Pas de Deux
Leonid Sarafanov e Evgenia Obraztsova. Foto: Natasha Razina
Emma-Jane Maguire e Steven Mcrae
Gudrun Bojesen / Danish National Ballet. Foto: Martin Mydtskov Rønne
Cena da Janela: Jeremy Ransom e Fiona Tonkin / Australian Ballet, 1989
Ballo della Regina / La Sylphide – The Royal Ballet
Natalia Osipova e Viacheslav Lopatin/Bolshoi 2008. Foto: Damir Yusupov
Evgenia Obraztsova e Leonid Sarafanov
La Sylphide / The Royal Danish Ballet, 2004. Foto: Alexandra Tomalonis
Roman Rykine e Erica Cornejo/ Boston Ballet
Versão Pierre Lacotte / Ópera de Paris, 1972:
Versão Bournonville / Royal Danish Ballet, 1988:
Ellen Price, 1903 – Variação inicial: