Do galanteio na corte ao virtuosismo nos palcos.
Das vilas e aldeias, para a corte e para os palcos…
Da diversão, à metáfora de posição social e ao virtuosismo técnico…
pas de deux tem sua origem remota nas danças de par executadas nas cortes europeias.
Em uma longa trajetória rumo à maturidade e à autonomia técnica e artística, as danças de par passaram: de manifestações populares, à entretenimento real e, final e merecidamente, a espetáculo profissional.
Formalismo e galanteio na corte.
O Branle foi uma dança de par executada nas cortes europeias até o sec XVIII. Caracterizada por forte rigidez e formalismo, era uma representação muito fiel da hierarquia da corte.
Permitia, por meio da observação da posição do participante no arranjo geral, identificar seu status na sociedade (dependendo do quão “perto” estava do casal Real, durante a execução).
O Minueto era mais flexível. Nele os pares, que já ficavam frente a frente, executavam, por meio dos passos, um “ritual estilizado de conquista”. Mais galanteador, criava tensão e expectativa sutis, devido às aproximações e afastamentos dos intérpretes, que trocavam olhares e estendiam as mãos um para o outro.
Para dominar propriamente a técnica do Minueto, era necessário aprendê-lo com um mestre de dança. Sobre sua execução Goethe, o célebre poeta alemão, teria escrito: “Ninguém se atreve a dançar sem ter aprendido: o Minueto, em particular, é considerado uma obra de arte…” (CAMINADA, 1999,p. 109)
O bom desempenho nos salões de baile, exibindo técnica e elegância nas danças, era muito importante para o cavalheiro que quisesse impressionar uma dama da corte.
Estas características de cortejo, conquista e exibição de status, tão fortes no período monárquico, são muito bem representadas em trechos de grandes clássicos como O Lago dos Cisnes, A Bela Adormecida, Raymonda e Paquita.
Em La Sylphide, Giselle, La Esmeralda, O Corsário, Raymonda, La Bayadère predominam os aspectos de galanteio, reverência e conquista, imprescindíveis à representação destes argumentos românticos.
Em “Diamantes”, uma seção do ballet “Joias”, Balanchine usou vários gestos de grande cortesia e reverência do bailarino para a “sua bailarina”. Esta pose final do pas de deux, no qual ele se ajoelha aos pés dela e beija sua mão, é encantadora e marcante.
Repleto de momentos de grande delicadeza e romantismo, este pas de deux do 1º ato de Raymonda é pura poesia. A belíssima música de Alexander Glazunov nos envolve e transporta.
Com Maria Alexandrova e Sergei Filin, numa versão do Ballet Bolshoi, apresentado numa “Noite de Gala” em Praga, no ano de 2007.
Uma técnica a serviço da expressividade:
A unidade em torno de um tema e a concepção da dança como uma forma de expressão independente e autossuficiente, preconizadas por Noverre, inauguram uma nova etapa no desenvolvimento artístico da dança.
Neste momento, ela conquista definitivamente o status de meio adequado paraa representaçãodos mais variados dramas e das mais complexas relações entre as personagens.
Por um fio
O período romântico, repleto de seres imateriais, fantásticos e que podiam voar, exigiu o desenvolvimento de recursos técnicos capazes de representar esta ideia de leveza e imaterialidade.
Um recurso muito usado nos primeiros ballets românticos pra criar esta ilusão foram umas “máquinas voadoras” com cordas ou cabos, que elevavam e deslocavam as bailarinas, fazendo-as voar, literalmente, em cena.
“La Sylphide”, um marco do início do Período Romântico no Ballet, usa este recurso até hoje. Esta foto é de uma montagem do Ballet do Ópera de Paris. A versão do Kirov de “Giselle” também usa cabos e plataformas suspensas na aparição das willis, no início do segundo ato.
“Flore etZéphyre” criado por Didelot, em 1796 usou e abusou deste recurso dos cabos, chegando a suspender, não apenas as solistas, mas o corpo de baile inteiro.
Foram estes cabos, neste mesmo ballet, que deixaram pela primeira vez as bailarinas “nas pontas dos pés”, ao suspendê-las até que só as pontas dos pés tocassem o chão. (KIRSTEIN,1884, p. 130)
Por causa dessa necessidade de simular o voo e a ausência de peso, a participação do partner, nos primórdios da técnica do pas de deux estava relacionada ao desejo de substituir os cabos e mecanismos pela força física do bailarino.
A bailarina, agora suspensa e apoiada pelo seu partner, ganha mais mobilidade em cena, o que cria condições para o aprimoramento da técnica do pas de deux, com consequente desenvolvimento de novos passos.
Lincoln Kirstein descreve o Pas de Deux como uma unidade composta por dois complementares, que introduzem os contrastes inerentes ao feminino e masculino. Ao bailarino cabe a força e o apoio e à bailarina: a leveza, a graçae a agilidade.
Entre acrobacias e proezas:
Os ballets românticos mais tardios incorporaram ao pas de deux inovações vindas até da técnica de circo.
As bailarinas agora não são mais apenas apoiadas ou levantadas pelos seus partners; elas realizam pequenas acrobacias: pulam e sentam-se em seus ombros, entre outras manobras da técnica circense que são incorporadas gradativamente ao ballet ( KIRSTEIN, 1984,p. 16)
Em constante evolução:
O Pas de Deux ganha codificação própria, acompanhando as demais evoluções técnicas e artísticas da dança, que se estabelece como manifestação independente e apta para expressaros anseios da sociedade onde está inserida.
A necessidade de representar, com intensidade e plasticidade, uma gama cada vez maior de situações, em argumentos e contextos históricos diversos, justifica a busca constante por novospassos e “manobras” os quais surgem experimentais, a partir de tentativas e erros, e acabam incorporados definitivamente ao vocabulário do ballet. Um sinal claro de evolução, atualização e de adaptabilidade da técnica.
“Águas Priaveris” de AsafMesserer, com música de Rachimaninov é um pas de deux curto, com ênfase no virtuosismo técnico, cheio de levantamentos e lançamentos de tirar o fôlego.
com Maria Bylova e Leonid Nikonov
O Pas de deux do balcão de “Romeu e Julieta” na versão de Kenneth MacMillan, com música de Prokofiev, é intenso e apaixonado. Um “arrebatamento” que só é possível pelo conjunto: do domínio da técnica, da expressividade artística e da forte “química” entre os intérpretes.
Alessandra Ferri e Julio Bocca – American Ballet Theatre – parte do DVD– ABT Now– Variety and Virtuosity.(1998)
O pas de deux “Cruel World” de James Kudelka, é um grande desafio! Dramático, “arrastado” e sofrido é repleto de carregamentos e “manipulações” incomuns da bailarina.
Esta postura abandonada, quase desmaiada, que exige que a bailarina deixe o tronco e a cabeça “soltos” e “fora do eixo” durante a maior parte do ballet, dificulta muito o “controle” durante a coreografia. Executá-la com qualidade técnica, sem abrir mão da expressividade dramática, é tarefa para poucas!
Julie Kent e Robert Hill– American Ballet Theatre – parte do DVD– ABT Now– Variety and Virtuosity.(1998)
Voltando para os temas comuns do romantismo, o pas de deux de “La sonnambula“, aqui na versão de George Balanchinede 1946, mostra uma situação inusitada e divertida: a bailarina ( que dança com os olhos praticamente fechados) é conduzida e “manipulada” pelo bailarino, que a faz girar, parar e correr… Vale ver!!!
Alessandra Ferri e Mikhail Baryshnikov.
Maleável e flexível por natureza, a dança (clássica) está em permanente evolução.
Fonte inesgotável de novas soluções, é capaz de se reinventar e de se reorganizar em combinações inesperadas e em novas possibilidades estéticas e expressivas, sem abrir mão de seus princípios básicos.
Os GRAND PAS DE DEUX serão o tema do próximo post.
Uma fórmula: (entrada+ adágio+variação masculina+ variação feminina+ coda) que assumiu inúmeras formas nos ballets criados pelo grande corógrafo francês, radicado na Rússia MariusPetipa .
Fontes de consulta:
CAMINADA, Eliana. História da Dança: Evolução Cultural. Sprint, Rio de Janeiro, 1999.
FONTEYN, Margot. The Magic of Dance. Alfred A. Knopf. NY. 1979
JONAS, Gerald. Dancing: The Plasure, Power and Art of movement. Henry N. Abrams Inc., NY, 1992.
KIRSTEIN, Lincoln. Four Centuries of Ballet. Fifty Masterworks. Dover Publications, NY, 1984
KERNER, Mary. Barefoot to Balanchine. How to Watch Dance. Doubleday, NY,1990
PORTINARI, Maribel. História da Dança. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1989.