8º Seminários de Dança de Joinville 2014
No mês de julho deste ano, como todos já sabem, aconteceu o 32º Festival de Dança de Joinville, em Santa Catarina. O evento reuniu muitas escolas de dança de todo o País além de fãs e apreciadores da arte no Centreventos Cau Hansen. As noites do festival estavam belíssimas, recheadas de apresentações de alta qualidade técnica e artística que fizeram o público se deliciar ainda mais com a atmosfera mágica que o evento proporciona. Entretanto, o que nem todos sabem é que, em concomitância com o festival de dança, outro evento de igual importância acontece em Joinville nesta mesma época do ano: os Seminários de Dança de Joinville, no Teatro Juarez Machado (anexo ao Centreventos Cau Hansen), os quais reúnem bailarinos, coreógrafos e pesquisadores que aliam a teoria e a prática no campo da dança.
Em 2014, em sua 8ª edição, o evento apresentou o tema Deixa a Rua me Levar reservando um espaço para reflexão sobre os caminhos da dança em suas relações com a rua. Ao contrário do que o título desta edição sugeria, não foram expostos trabalhos com temáticas exclusivas das Danças Urbanas. Tivemos contato com ideias, projetos e práticas dentro das Danças Folclóricas, Danças Populares, Danças Contemporâneas e todas as manifestações que buscam na rua um lugar propício à criação.
“No contexto do Seminário, a rua não nomeia um gênero de dança, mas uma vontade de interrogar os trânsitos da dança de contextos específicos à cena e vice-versa: da rua ao palco, do palco de volta à rua. O objetivo principal é questionar a política de encenação da dança em meio ao contexto formativo que o seminário enseja na programação do festival.” (Trecho extraído do texto de apresentação do 8º Seminário de Dança na website do festival).
Com a coordenação da Profª Drª Thereza Rocha, esta edição dos seminários contou com conferências, conversas, espetáculos, demonstrações de processos, conferências dançadas, cortejos, rodas de rua e apresentações de trabalhos acadêmicos. Em três dias de apresentações, muitos nomes importantes estiveram presentes para contribuírem e enriquecerem as discussões acerca do tema.
O evento teve início com uma rica entrevista com Nelson Triunfo e sua história e contribuições no campo da cultura Black em nosso País. As conferências contaram com a presença e a troca de experiências de Fátima Costa de Lima, falando sobre o corpo que dança nas escolas de samba, e Pablo Assumpção, com um tema envolvendo a arte, a vida e a mística que se manifestam na rua.
As conversas de dança tiveram importantes paticipantes, como Alexandre Snoop, Eleonora Gabriel, José Clerton Martins, Gilberto Yoshinaga, Rafael Guarato e Thiago Amorim. Ainda tivemos a apresentação do espetáculo MONO-BLOCOS e do espetáculo GRAÇA.
Além das conferências, das conversas de danças e das apresentações artísticas, uma das partes mais interessantes do evento foram as apresentações e discussões de trabalhos acadêmicos. As produções de alunos de cursos de graduação e pós-graduação se tornaram parte essencial e de grande relevância no contexto do evento. Divididos em apresentações de pôsters e comunicações orais, os trabalhos acadêmicos contribuíram para o sucesso dos seminários, bem como para o desenvolvimento do campo teórico da dança em nosso País.
Este ano, eu tive a oportunidade e a alegria de apresentar uma de minhas pesquisas na modalidade comunicação oral. Com o resumo expandido intitulado Desterritorialização e reterritorialização da dança em seu espaço primeiro: a rua, pude desenvolver duas ideias filosóficas que me ajudam, no âmbito subjetivo de entendimento das manifestações dançadas, a compreender algumas questões com as quais eu me deparo diariamente. Pensando a dança desde a antiguidade, onde as manifestações artísticas como um todo aconteciam nos espaços abertos das cidades, eu me questionei:
“A dança atualmente necessita ‘invadir’ um espaço urbano que possivelmente já lhe pertence? As diferentes expressões coreográficas necessitam do lugar específico e ’isolado’ do palco para se desenvolverem mesmo fazendo parte do cotidiano da cidade, da sociedade? Quais são as possibilidades do campo da dança hoje?” (Trecho extraído do trabalho apresentado em 27/07/2014) .
A partir desses questionamentos, desenvolvi duas ideias relevantes para a discussão: a deterritorialização e a reterritorialização baseada nas obras de Guilles Deleuze e Félix Guattari. Assim, resumidamente, desenvolvi a seguinte hipótese:
“O espaço da dança, na atualidade, se encontra em desterritorialização e reterritorialização constante. O teatro não se configura mais como seu território exclusivo. Na rua, a dança, uma vez desterritorializada, encontra uma possibilidade de reterritorialização. Esse território urbano reterritorializado, desterritorializa o espaço cênico institucionalizado do palco, mas a dança, que para ele retorna, promove sua reterritorialização. A dança, por sua vez, desterritorializada pela dinâmica cotidiana e cultural imposta pela lógica e razão capitalista, se reterritorializa através do sentido, da emoção, do gestual e do movimento que provoca na sociedade desterritorializada pela imutabilidade e normatização dos corpos desacostumados a conviver com sua intensidade.
A rua é desterritorializada e reterritorializada pela dança, e vice versa, em um movimento constante e recíproco. Suas possibilidades são incalculáveis. O palco necessita da dança; a rua ‘respira’ sons, gestos e movimentos. O meio social e urbano demonstra possuir uma carência por expressões inéditas que transbordem vida e intensidade. Assim, ousamos dizer também que a dança desterritorializa a moral e os valores castradores vigentes. Com isso, os movimentos, as sensações e o ritmo coreografado reterritorializam a vida.” (Trecho extraído do trabalho apresentado em 27/07/2014).
Foi um momento único. Poder falar sobre o que penso, questiono e pesquiso com outros pesquisadores que também se empenham em ampliar o campo teórico da dança em nosso País me deu mais motivação para continuar nessa militância em defesa da dança, não somente como profissão ou entretenimento, mas como experiência de vida afirmativa. Sou uma defensora incansável da dança como cultura, como filosofia de vida, como vocação. Tenho na dança fonte inesgotável de inspiração. Esse é um campo que muito me fascina e pelo qual me apaixono cada vez mais!
“Não nos basta um palco, uma exclusiva plateia, um espaço delimitado de um teatro. O processo constante e concomitante de desterritorialização e reterritorialização da dança vai além da arte de dançar. ambas as vertentes se encontram em nós mesmos, bailarinos, cidadãos, seres humanos. Estamos influenciados pela desterritorialização e reterritorialização de nossos corpos por gestos, movimentos e sensações, repetidos e inéditos. Exprimimos tudo através da dança fazendo da rua, do palco e dos nossos corpos, espaços de relações políticas, sociais e culturais. A rua é o espaço por excelência da dança, não o antigo, mas, sim, o novo espaço da rua antes desterritorializado e agora reterritorializado pela intensidade da vida.”