PARA SEMPRE INESQUECÍVEL
Apesar da origem polonesa, do biotipo diferente e de nunca ter sido muito magra, como a maioria das bailarinas, Bertha Rosanova hipnotizava o público e deixava todos absolutamente deslumbrados diante do seu enorme talento, de sua forma especial de dançar e da carga emocional que normalmente trazia para o palco junto com seus personagens. Como sempre buscou desenvolver o lado teatral de cada papel, em cena, era uma intérprete que dançava e dançava lindamente. Inesquecível em todos os sentidos conquistou o título de prima-ballerina assoluta, o maior de todos na hierarquia do ballet e continua — até hoje — sendo a única profissional de dança a recebê-lo.
Misturando emoção e amor ao ballet, Bertha Rosanova é um nome que será sempre lembrado e reverenciado por muitas gerações de artistas. Para o bailarino Marcelo Misailidis “era a verdadeira unanimidade entre todos que tiveram o privilégio de vê-la dançar e a sorte de imortalizar um momento que jamais se apagará de todos aqueles que, como colegas de trabalho ou público afortunado, sempre comentam: um magnetismo único.” “É uma grande honra ter tido em minha vida profissional o carinho, a confiança e o apoio incondicional de Bertha Rosanova”. Ela foi uma das pessoas que mais contribuiu para meu sucesso pessoal e profissional”, declarou a bailarina Teresa Augusta.
Apesar de ter construído uma carreira vitoriosa, nem sempre ela viveu uma rotina de glórias fora do palco. Os pais — Eugênia e Jacob Rozenblat – vieram para o Brasil fugindo do nazismo. Filha única, Bertha nasceu em São Paulo, no dia 31 de agosto de 1930. A família logo veio para o Rio de Janeiro e um quarto de pensão na Praça Onze foi o lugar escolhido para a futura residência dos Rozenblat.
Mas o dinheiro não dava para nada. As dificuldades, entretanto, ainda que quase intransponíveis, nunca tiraram daquela menina a capacidade de sonhar. E de sonhar alto, apesar do ensino deficiente da escola pública da época (onde ela já circulava dançando pelos corredores), das sapatilhas duras e da impossibilidade de comprar roupas novas para as apresentações.
A forma intensa de dançar e a expressividade que demonstrava ao compor cada personagem conquistaram tanto o público, quanto nomes importantes da dança fundamentais em sua carreira, como Maria Olenewa, fundadora da Escola de Danças Clássicas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde, aos sete anos de idade, Bertha iniciou seus estudos. Mais tarde, a escola criaria o corpo de baile do Theatro, do qual ela também fez parte, com doze anos. Olenewa sempre acreditou no potencial de Bertha e foi sua grande incentivadora, alterando inclusive o sobrenome da bailarina que passou de Rosemblat para Rosanova Em 1945, o Theatro Municipal passou a viver uma nova fase. Dirigidos pelo russo Igor Schwezoff, conhecido por ser extremamente exigente e cuidadoso, os bailarinos puderam ver o repertório ganhar em diversidade, novos grandes valores e um crescimento notável. Foi também quando o talento de Bertha Rosanova brilhou em Sílfides, Primeiro Baile, Clair de Lune, Luta Eterna, A Papoula Vermelha, sendo nomeada solista e, pouco depois, primeira-bailarina, com apenas 15 anos.
Na década de 50 (já casada) mudou-se para o bairro carioca de Laranjeiras, onde sempre morou. No primeiro e terceiro andar, fundou a escola de dança, Studio de Ballet Bertha Rosanova. Com a carreira sempre pontuada por grandes interpretações (Dom Quixote, O Quebra-Nozes, O Galo de Ouro, Romeu e Julieta, Bodas de Aurora, Capricho Espanhol, Giselle) suas diversas apresentações só faziam aumentar o número de seus admiradores. Ao longo de todos os anos, Bertha construiu uma vida profissional sólida, o que lhe rendeu o convite para participar da primeira montagem completa do ballet O Lago dos Cisnes na América Latina em1959, sob o comando de Eugenia Feodorova. No espetáculo, interpretou Odette e Odile, ao lado de David Dupré e encantou o público com a forma que utilizou para destacar as diferenças entre os dois cisnes. Neste mesmo ano, dançou ao lado de nomes importantes como Igor Schwezoff. Mas foi Aldo Lotufo, o partner que esteve mais presente na maioria dos espetáculos.
Filha única de Bertha, Ava Rosemblat – também bailarina, professora de ballet e diretora do Estudio Bertha Rosanova — faz questão de lembrar “Ela sempre foi uma estrela. Por onde passava as pessoas a reverenciavam. Mas em casa era totalmente diferente. Uma pessoa muito simples, uma mãe muito presente. Ia me buscar na escola, fazia os trabalhos escolares comigo. Certa vez, como parte de uma tarefa escolar, cada mãe deveria realizar uma atividade que soubesse e apresentá-la. Imagine só. A primeira bailarina do Theatro Municipal! Ela simplesmente pegou suas sapatilhas, colocou uma roupa e dançou. A escola inteira ficou em êxtase e diziam: “Nossa”! Bertha Rosanova vai dançar aqui?” Mas para ela não era a Bertha Rosanova, era apenas a mãe da Ava.”
“Sempre estudei — continua Ava — com ela e desde os 16 anos trabalho na escola, dando aulas ou montando espetáculos. Pretendo continuar o projeto iniciado pelo Estúdio. Mamãe sempre foi muito tranquila comigo e com as outras alunas. Soube como ninguém mostrar que o ballet não precisa estar associado ao sofrimento, e sim ao prazer, principalmente. Como professora mantinha com todos uma relação de amizade e respeito. Ensinava tudo o que tinha que ser ensinado: a técnica perfeita, a maneira certa de dançar, mas sem ultrapassar os limites do aluno e sem desrespeitá-lo. Na nossa escola, preservamos a todo custo essa relação familiar. Outra fator importante que nunca podia ser esquecido era a necessidade de cada bailarino buscar a sua forma de dançar, de se expressar. Existem os movimentos da técnica certa. Um braço tem que ser aqui, o outro tem que estar do outro lado. Mas como esse braço vai ser colocado aqui, como esse movimento vai acontecer é que tem que vir com a emoção do aluno. Este sim precisa buscar a verdade do seu próprio movimento para expressar determinada emoção. A carga emocional e a força artística é um dos muitos legado que Bertha Rosanova vai deixar no para o ballet no Brasil.”
No dia 10 de outubro de 2008, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro viveu momentos emocionantes ao homenagear Bertha. Com uma apresentação de sapateado, Steven Harper abriu os trabalhos, seguido pelo samba de Carlinhos de Jesus. “Ela é uma figura importante para todos nós, bailarinos, por tudo que nos deixou. A minha participação aqui vem representar as grandes manifestações que protagonizou na televisão, popularizando a arte da dança”. A homenagem prosseguiu com a apresentação do Ballet da Cidade de Niterói, na suíte Choro de Pixinguinha. O Corpo de Baile do Theatro Municipal apresentou Suíte de Dom Quixote, Trio de Chamas de Paris e Valsa das Flores; a Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, Mozart. “Para Bertha o importante estava longe de ser o estilo. Ela amava a dança”, era o comentário mais repetido durante toda a noite.
Em 13 de outubro de 2008, três dias depois da homenagem que não pode assistir por já estar muito doente, Bertha Rosanova morreu. Tinha 78 anos e estava internada há dias em uma clínica da Zonal Sul para tratamento de um câncer nos brônquios e nos pulmões.
Pesquisa: Revista Arte em Dança, outubro de 2008.