Fiz uma aula, dia desses, completamente diferente.
Além da minha Sauer Danças de todos os dias, tenho frequentado também a minha vizinha Petite Danse, na Tijuca.
E descoberto coisas incríveis.
A força da energia da dança imanta o prédio da escola e penetra as salas e os movimentos. Não sei se todo mundo percebe, mas vale a pena o exercício de sentir isso o que chamo de psicosfera da escola.
É como se tudo o que você tentar, ali, estará favorecido por essa vibração. A alma da dança também habita, plena, o número 463 da rua Uruguai.
Imantada por essa sensação, fui me aproximando da sala onde tentaria fazer a aula da Maria Vakhrusheva, uma professora russa que fala bem o português e tem uma espécie de doçura que não costumamos associar ao valente povo de lá.
Entro numa sala repleta de jovens. Muitos com cerca de 18 anos, uma ou outra com cerca de 30, mas com 53 anos, com certeza, apenas eu e o meu sonho de me tornar bailarina, mesmo tendo começado aos 50.
Olho para a imensidão da sala e penso: nada a provar, portanto, nada a temer. Procuro a professora, me apresento, explico que o meu nível está aquém do nível da turma, mas que gostaria de tentar, mesmo assim. Ela me diz: faz o que você puder.
Mas o aval da exímia ex-bailarina do ballet de Kirov não era só do que eu precisava para conseguir fazer a aula. Eu precisava era de mim. Precisava de coragem para enfrentar a experiência. Assim foi e foi assim.
Me aqueço de olhos fechados, no chão, vou fazendo contato com o meu corpo e com a minha alma. Vou lembrando da minha essência e do quanto a vida pode ser curta, ainda mais se desperdiçada. Levanto determinada e procuro um lugar na barra.
Quase não ouvia a professora. Eu estava meio longe. Quase não enxergava. Estava sem óculos. Troquei de barra umas três vezes, depois de começado o exercício, tentando me achar. Terminei conseguindo ficar entre uma menina e um menino.
Aliás, fazer aula com muitos rapazes é excelente. Quanto vigor! E gentileza, viu?! Gosto muito dos movimentos masculinos no ballet. Quero ter a experiência de fazer uma aula estritamente masculina, se houver alguma no Rio. Acho que para eles também é tão difícil estar ali, que uma vez lá, dão o melhor de si. Talvez tenhamos também essa afinidade, a superação de muitos preconceitos.
Coragem, não saia de casa sem ela!
Eu me sinto como a condição de quem se acha fora de condição. Quando a pessoa, que está ali no canto, se sentindo meio fora do peso ou fora da técnica me vê entrar numa diagonal com tanta vontade, ela termina se permitindo também. E vai. E se arrisca. Vi isso algumas vezes e fiquei feliz. Sou a condição dos sem-condição, me sinto na obrigação de mostrar, não como se faz, mas como se tenta.
E, queridos, digo aqui, confiança é algo que a gente cultiva no ser. Não existe aula que dê conta disso. Você pode até estar tecnicamente bem, mas nunca vai achar que pode, se não se permitir.
E a vida vai passando. E a fila da diagonal vai andando. E você não aproveitou a chance de errar para aprender. Coragem é um tipo de humildade. E de fraternidade também. Que a alma da dança nos permeie, enquanto buscamos meios de nos permitir.
Beijo.