Flexibilidade nunca foi o meu forte (talvez por isso eu tenha me tornado Mestre neste assunto; LITERALMENTE). Quando eu era adolescente eu ficava horas com a perna aberta em segunda posição na parede, me esforçando ao máximo (e sofrendo bastante) para adquirir a tão sonhada “abertura completa”.
Anos mais tarde, estudando para escrever a proposta do meu projeto de mestrado, descobri que a cada 5 minutos que eu gastava naquela posição “super confortável” gemendo, suando de dor, enquanto imaginava minha abertura linda (que nunca aconteceu), eu estava, na verdade, 4 minutos e 30 segundos “perdendo tempo”.
“Que raiva!!!!!” “Porque ninguém me disse isso????” Pois, bem, estou aqui para lhe dizer:
1)Ficar MAIS que 30 segundos mantendo a mesma posição NÃO ADIANTA.
2)Ficar MENOS que 30 segundos funciona, mas o tempo ideal são 30 segundos.
3)Fazer o mesmo alongamento apenas 1 vez vai melhorar sua flexibilidade. Mas duas é melhor que 1; 3 vezes é melhor do que 2; 4 vezes é um pouco melhor do que 3 (depende do tempo que você tem pra investir, considerando o custo benefício…). Agora, 5 vezes NÃO é melhor do que 4!!! (Sim, pasme. Mas não se preocupe, daqui a pouquinho vou lhe dar a explicação científica para isso).
4)Em relação ao intervalo entre as repetições do exercício ainda não temos subsídios científicos suficientes para uma conclusão. Espero poder escrever outro post atualizando essa informação assim que possível.
5) Sabe aquela aula de treinamento de flexibilidade por 2 horas seguidas uma vez por semana que você sai sem andar? Dá muito menos resultado do que apenas 10 minutinhos todos os dias.
Se você estiver pensando “Gente… faço tudo errado!” seus problemas acabaram! Sempre há tempo para mudar (mesmo, porque a ciência está em constante transformação e descobertas e eu estou aqui para isso, transformar aqueles artigos complicados em algo fácil de entender e de ser utilizado na prática).
O treinamento da flexibilidade é uma tarefa que leva em consideração (pelo menos deveria) muitos outros fatores além a amplitude de movimento (ADM) que você alcança (em outras palavras: o quanto você abre a perna). No estudo científico sobre flexibilidade levamos em consideração o que acontece no músculo e no tendão (que juntos chamamos de unidade músculo-tendão ou UMT), mas também a sua capacidade de tolerar a dor (aí sim a coisa fica muito mais complexa). Se você tiver curiosidade de entender a fundo tudo isso o Bastidores Centro de Treinamento oferece cursos de formação para professores e bailarinos sobre flexibilidade e muito mais.
Aqui, vamos nos ater a COMO melhorar a flexibilidade:
Você sabia que existem diversas técnicas para treinar flexibilidade?
São exemplos: Passiva estática (Torque constante e ângulo constante); Passiva dinâmica; Ativa estática; Ativa dinâmica; Facilitação neuromuscular proprioceptiva (CR, CRAC)…
Você sabia que dependendo do treinamento que você faz (tipo de técnica por exemplo, ou se você treina flexibilidade antes ou depois da sua aula ou ensaio), você pode melhorar a sua flexibilidade mas diminuir a sua capacidade de saltar por exemplo?
O melhor é que o seu treinamento seja montado por um profissional que entende sobre todas essas influências. A preparação física para bailarinos é uma tarefa muito complexa que inclui MUITAS variáveis que devem ser analisadas e consideradas. Não adianta só fazer aula de ballet, ou mesmo fazer aula de ballet e ir correr no final de semana, ou ir na academia sem um treinamento de acordo com as demandas que você precisa ou mesmo fazer pilates duas vezes por semana.
Levando tudo isso em consideração irei dar sugestões que afetarão o mínimo possível outras capacidades e que otimizarão o treino da flexibilidade, mas lembre-se: se você quiser realmente aumentar o seu desempenho em TODAS as capacidades físicas necessárias para a dança procure profissionais especializados na preparação física de bailarinos.
Aqui vão as dicas:
Use a técnica passiva estática com o ângulo constante.
“Por que essa técnica?” Porque ela é a técnica com o menor índice de lesão (você simplesmente escolhe uma posição, exemplo: pé na barra) e mantém a posição por 30 segundos. As outras técnicas são mais elaboradas e precisam da ajuda de um profissional qualificado e experiente.
“Por que 30 segundos?” Para responder essa pergunta vamos imaginar uma tigela e um pote de gel (gel de cabelo serve). Se você colocar o gel no meio da tigela o que vai acontecer? Ele vai se acumular no meio, mas com o tempo ele vai se espalhar e preencher a tigela até que a superfície fique lisinha e homogênea, não é? Pois bem, esse processo se chama acomodação e também acontece com a UMT (lembrando, unidade músculo-tendão). Se você ficar olhando o gel depois que ele se acomodou completamente vai fazer alguma diferença? Não! Quando colocamos a perna na barra e flexionamos o tronco estamos alongando os músculos posteriores da coxa (se a postura estiver adequada), após 30 segundos a UMT se acomodou naquela posição e não vai mais se estender. O melhor então é retirar a perna da barra e começar de novo, repetindo isso 3 vezes.
“Por que 3 vezes?” Porque da mesma forma que temos a acomodação da UMT por tempo, temos essa acomodação por séries, um moço chamado Taylor, em 1990, esticou o tendão de coelhos (que doaram sua fluffly vida para a ciência) de 1 a 10 vezes. Ele encontrou que após a 4 série de alongamento o músculo não acomodava mais. Entre a 3 e 4 série ainda podemos observar uma certa acomodação, mas ela é tão pequena que se você não tiver muito tempo é melhor fazer 3 e focar em outro exercício.
“Quantas vezes eu posso treinar por semana?” Todos os dias! Os estudos sobre recuperação ao treinamento de flexibilidade mostram que a UMT está totalmente recuperada após 1 hora! Isso significa que você pode treinar todos os dias, ou até mais de uma vez por dia. Porém, o ideal é que esse treinamento seja feito pelo menos 1 hora antes das aulas ou ensaios ou no final do dia antes de ir embora pra casa. Existem benefícios e malefícios de escolher cada um desses horários, por isso continuo frisando a importância de aprofundar os estudos E/OU procurar a ajuda de um profissional especializado.
“Por que 1 hora antes da aula?” Como eu disse, os estudos (até hoje) mostram que após uma hora a UMT está recuperada, isso significa que as unidades contráteis responsáveis pela produção de força (chamada sarcômeros) estão de volta ao seu comprimento original. Se você treina flexibilidade e vai fazer aula logo em seguida, ou ensaiar, você corre risco de se machucar porque sua UMT não vai ser capaz de executar a mesma quantidade de força que ela deveria antes do alongamento.
“E qual a intensidade que eu devo alongar?” Um estudo de outro moço chamado Chagas e sua equipe, em 2008, avaliou diferentes intensidades e concluiu que quanto mais intenso o alongamento maior a melhora. Acontece que um outro estudo ainda em desenvolvimento que eu assisti em uma conferência, está levantando a hipótese de que altas intensidades trariam respostas inflamatórias na UMT que retardariam a recuperação (sabe quando você treina flexibilidade e no dia seguinte está todo dolorido e não consegue nem colocar a ponta do dedo no chão?). Pessoalmente, eu treinaria um aluno todos os dias em uma intensidade tolerável para ter adaptações mas tentando evitar ao máximo as respostas inflamatórias, enquanto aguardamos a ciência nos fornecer mais informações sobre isso.
Espero que essas dicas possam te ajudar a melhorar a flexibilidade influenciando o mínimo possível em outras capacidades físicas!! Se Tiver alguma pergunta ficarei feliz em responder nos comentários, ou entre em contato!
Para mais informações sobre treinamento e preparação física de bailarinos siga o blog barbarapessalimarques.blogspot e a nossa página no facebook.com/bastidorestreinamento
Referências:
TAYLOR, D. C. et al. Viscoelastic properties of muscle-tendon units. The biomechanical effects of stretching. American Journal of Sports Medicine. v. 18, n. 3, p. 300-309, May/Jun, 1990.
CHAGAS, M.H. et al. Comparação de Duas Diferentes Intensidades de Alongamento na Amplitude de Movimento. Revista Brasileira de Medicina do Esporte. v. 14, n. 2, p.99-103, Mar/Abr, 2008.