Um bailarino apaixonado. Ele foi o primeiro bailarino brasileiro a protagonizar a versão integral de O Lago dos Cisnes (até então o Lago em quatro atos só tinha sido apresentado em Londres) ao lado de Bertha Rosanova, sua partner mais constante, ambos dirigidos por Eugênia Fedorova, em 1959. Aliás, Lotufo e Rosanova formaram o par perfeito e poderiam perfeitamente ter sido comparados a Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev. “Era um artista que podia dançar todo o repertório clássico, o que costumamos chamar de danseur noble” afirma a grande mestra Tatiana Leskowa, sua amiga desde 1948, quando ele ainda fazia parte do Ballet da Juventude. Por esta e por tantas atuações brilhantes, Aldo Lotufo é um marco na história da dança clássica no Brasil, um talento insubstituível.
Filho de Francisco Lotufo (imigrante italiano) e de Elvira (de origem espanhola) nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, em 16 de janeiro de 1925. O primeiro contato com o ballet aconteceu aos 12 anos, depois de assistir ao espetáculo em uma escola da cidade, no qual uma de suas irmãs dançava o Minueto. A hora de calçar as sapatilhas, entretanto, ainda não tinha chegado.
Aos 19, já no Rio de Janeiro, começou a estudar para ser arquiteto, chegando a se formar em 1949, pela Faculdade Nacional de Arquitetura. Mas nos dois últimos anos do curso fazia verdadeiros malabarismos para conseguir dar conta da arquitetura e da dança, pois já pertencia ao grupo Ballet da Juventude.
Em agosto de 1948 apresentou-se pela primeira vez em público, atuando em Rei Sol, coreografia de Vaslav Veltchek em homenagem a Luís XIV. No início de 1950 passou a fazer parte do Corpo de Baile do Teatro Municipal, estreando neste mesmo ano, no dia 12 de abril, em Noite de Valpurgis, último ato da ópera Fausto, de Gounod.
Mas foi Leónid Massine, coreógrafo russo que montou Les Presages com os profissionais do Theatro Municipal e com Yvette Chauvirè, estrela da Ópera de Paris, quem determinou que Aldo Lotufo virasse primeiro bailarino da companhia.
Durante trinta anos foi bailarino e professor do Corpo de Baile. Dançou com várias gerações de estrelas da dança clássica, de Berta (1950), passando por Eleonora Oliosi (1960) e Nora Esteves (1970). Mesmo depois de aposentado, continuava dando aulas e frequentando assiduamente o Theatro. Ballet, ópera, concerto.… lá estava ele, sempre na primeira fila. “O Municipal é a minha casa”, fazia questão de repetir a todo instante.
Eliana, a grande parceira
“Tive a oportunidade de trabalhar com mais de uma geração de bailarinas, mas ressalto o fato de ter sido com Eliana Caminada que dancei em Mato Grosso, a convite da Secretaria de Educação e Cultura. Não foi por acaso que a convidei para um evento de tal importância: era a primeira vez que me apresentava na minha terra natal. Pesaram na minha decisão não apenas sua capacidade como bailarina e intérprete, a constante necessidade de se aprofundar em tudo o que se refere a sua escolha profissional, mas também a preocupação dela em resgatar nossas tradições e a importância dos artistas que escreveram essa história”, declarou na época.
Aldo Lotufo e Eliana Caminada foram amigos desde sempre. Entre eles o afeto, a parceria e a cumplicidade eram sólidos e absolutamente indestrutíveis. “Para os que nunca viram Aldo dançar, para os que jamais trabalharam a seu lado, posso afirmar, que se tratava de uma figura mística. Era belo, sem dúvida. Um grande partner, também. Sua vida foi o Theatro, casa da qual só se afastou fisicamente por um tempo, assim mesmo quando não reconheceu, em determinada administração, alguma coisa visceral, essencial, associada a “sua casa”. Tive a honra de dançar inúmeras vezes com ele, inclusive no último espetáculo de sua longa vida de bailarino, já com 56 anos, ainda com força para interpretar Les Sylphides e o pas-de-deux de D. Quixote. Mas a vida me ligou a Aldo, através também de sua amizade por Eric Valdo, meu marido. Sem pieguices, que não fazem parte da personalidade de nenhum dos dois, ambos sempre mantiveram uma relação fraternal, duradoura, que poucos irmãos podem se gabar de usufruir. Sentiam uma confiança inabalável um no outro, se respeitavam e se conheciam. Mais do que isso: Aldo foi um dos nossos padrinhos de casamento. Obrigada por sua amizade, pelo desprendimento de continuar dançando para me ensinar muito do que eu ainda não sabia, fez questão de afirmar Eliana Caminada no seu depoimento (profundamente emocionado) a uma revista especializada em dança.
Lotufo gostava de viver no meio de quadros, livros, peças antigas, CDS, óperas, frequentar a feira de antiguidades da Praça XV, o Beco do Theatro e o Largo da Carioca, um mundo só dele que muito poucos tiveram o privilégio de conhecer. E que ele nunca abandonou.
Seu jeito de ser também era extremamente peculiar. Poucos sabem, por exemplo, da felicidade que sentiu ao lesionar o menisco, fato que finalmente lhe deu o tão desejado motivo para recusar o “posto” de primeiro solista do American Ballet Theater.
Aldo Lotufo “saiu definitivamente de cena” na madrugada de uma quarta-feira de setembro de 2014, aos 89 anos, em função complicações causadas por uma pneumonia. O bailarino estava internado há cerca de um mês no hospital Casa de Portugal, no Rio Comprido. O corpo foi velado no salão Assyrius do Teatro Municipal e seguiu no dia seguinte para o Cemitério Nossa Senhora da Piedade, região central de Cuiabá.
Pesquisa: Revista Arte em Dança, outubro de 2008.
(Foto principal: Bertha Rosanova e Aldo Lotufo, 1959)