A valsa é realmente um ritmo fascinante! A sua melodia suave e “circular” transcende os sons, penetra a nossa alma e guia nossos corpos na sua interpretação. Um casal gira levemente pelo salão, rápido ou devagar, com elegância e exatidão. Com essa concepção, a valsa talvez seja o ritmo mais querido mundialmente. O seu romantismo e requinte podem ser encontrados em festas e bailes na maior parte dos países, principalmente nos países ocidentais. Casamentos, formaturas, e na América Latina — as festas de 15 anos, tradicionalmente não existem sem ela.
Esse ritmo se popularizou em todos os lugares aonde foi introduzido, e digo popularizou não apenas no sentido de “tornar-se conhecido”, mas também no sentido de tornar-se “relativo/pertencente ao povo”, pois as variedades existentes hoje, dentro do ritmo da Valsa são tantas, que às vezes nem nos damos conta que estamos escutando uma valsa! E isso é o resultado da absorção completa que o ritmo teve em diferentes partes do globo, e consequentemente, a sua modificação com introdução de características regionais.
A valsa pode variar de rápida e impetuosa, a devagar e solene. O que une todos os estilos existentes é a música sempre em compasso ternário com o acento no primeiro tempo do compasso (um – dois — três). Mas será que foi sempre assim? Tentar rastrear a história de uma dança é um desafio interessante e exige tempo, mas antes de perguntar: “onde e como surgiu a valsa?”, devo perguntar: “onde e como surgiram as danças em compasso ternário?”.
As danças ternárias são minoria dentre as danças, o que facilita, ou deixa menos árdua a tarefa de tentar seguir os seus passos, mas a dança jamais existiria sem a música, e tentar rastrear a história da música ternária é bem mais complexo. Por isso resolvi não entrar nessa questão aqui e ir direto ao que interessa à história da valsa.
Existem duas versões mais respeitadas historicamente sobre o seu surgimento. Segundo a primeira teoria, uma das primeiras danças no ritmo 3/4 (compasso ternário) foi uma dança campestre da região de Provence, no sudeste da França, perto da divisa com a Itália. Segundo a edição do jornal parisiense “La Patrie” de 17 de Janeiro de 1882, tal dança é datada de 1559. Ela era dançada na música folclórica denominada “Volte”, mas curiosamente, naquela mesma época e com o mesmo nome de “La Volta”, existia uma dança folclórica italiana, cuja contagem musical era 3/2, também um tipo de compasso ternário. A palavra volta/voltare tem como significado “girar”, o que passa a característica básica da dança desde o seu início, ou seja, giros ininterruptos.
Durante o século XVI, La Volta se tornou um estilo muito popular nos salões de baile do ocidente europeu, principalmente na França e Inglaterra. Thoinot Arbeau descreveu essa dança sendo parecida com o Galliard (dança de origem italiana/francesa do sec. XV), pois ambos tinham o tempo rápido, no ritmo de 3/2, e eram dançados com cinco passos em 6 tempos musicais. Por isso Galliard também era chamado de “cinq pas” – cinco passos – na Inglaterra. Os movimentos característicos dessa dança cabiam em dois compassos de três tempos, sendo: 4 passos nos primeiros 4 tempos, salto no quinto e uma pose no sexto tempo.
La Volta era dançada em uma posição meio fechada, o cavalheiro com uma mão segurava o busk da parceira, e punha a outra nas costas, acima do quadril. A dama punha a sua mão mais próxima, no ombro mais próximo dele, e com a outra mão segurava a saia, para não se enrolar nela ao girar. Então o parceiro ficava de frente para ela, enquanto ela estava de frente para um dos lados. Outra característica da dança La Volta era o momento em que o cavalheiro, o líder, erguia a dama, a seguidora, segurando-a pelo tronco e apoiando-a pela coxa, em sua coxa, e a assim a girava.
Na época onde o comum, o máximo aceitável entre os parceiros, era o toque das pontas dos dedos, esse elemento, o modo como o cavalheiro segurava a sua dama e a necessidade da dama ter de segurar a sua saia com a mão, pondo à mostra seus tornozelos, justifica o grande preconceito incialmente sofrido pela La Volta nas altas sociedades da Europa. Mesmo sendo muito popular, essa dança era considerada vulgar e inapropriada para damas de família, tanto que foi proibida na França pelo Rei Louis XIII (1610–1613).
Uma das representações mais conhecidas dessa dança é a pintura que representa a Rainha Elizabeth I dançando com Robert Dudley, Conde de Leicester. Pintura da Escola Francesa de Valois. O interessante dessa pintura, é que ao fundo está pintado o salão da realeza francesa.
A segunda versão sobre o surgimento da Valsa é baseada em vários escritos existentes a partir do século XVI, que retratam uma dança “deslizante” vinda das regiões onde hoje estão Áustria e Alemanha. O filósofo francês Montaigne escreveu sobre uma dança que ele viu em 1580, em Augsburg, na Bavária, onde os dançarinos seguravam-se tão perto uns dos outros, que os rostos chegavam a se tocar. Outra notação da mesma época, que podemos encontrar, é a de Kunz Haas, onde ele diz que “as pessoas hoje estão dançando de forma ímpia, girando e rodando…”.
Afirma-se que, por volta de 1750, nas regiões da Bavária, Tyrol e Styria (hoje Alemanha/Áustria) surgiu uma dança de nome Walzer, onde os casais ficavam em uma posição fechada, um de frente para o outro, e assim como La Volta, tem por significado “girar”. Naquela mesma região da Bohemia, Áustria e Bavária, existia uma dança folclórica em ¾ bastante popular, o Ländler ou Schleifer, onde pode ser encontrado o elemento onde o homem se ajoelha no chão, enquanto a dama gira ao seu redor.
As composições, que lembram o que hoje é considerado a Valsa Vienense, começaram a surgir a partir da década de 70 do século XVIII, mas o marco histórico é a composição final do Segundo Ato da ópera “Una Cosa Rara”, composta por Martin y Soler em 1786, onde vários casais dançavam ao mesmo tempo. A dança não aparecia como Walzer, Waltzen ou Waltz nas partituras da ópera, mas sim como um Andante con Moto. Essa ópera, em especial essa dança, foi a grande responsável pela imensa popularidade que a Waltzen obteve nos salões de Viena nos anos 1780, espalhando-se então para o resto da Europa.
Essa dança foi introduzida na Inglaterra sob o nome de Valsa Alemã. Uns dizem que foi em 1790 por Baron Newman, outros dizem que foi em 1812, e assim como La Volta, chocou os costumes da época, aparecendo no Dicionário Oxford de Língua inglesa como “desordeira e indecente” até 1825. Em 1833, Miss Selbart escreveu em seu livro “Normas da Boa Conduta” : “This dance – just for ladies of easy virtue!”, algo do tipo “Essa dança – é apenas para mulheres de pouca honra”. Já a introdução à Corte Francesa foi feita pelos soldados de Napoleão, após retornarem com triunfo da invasão à Alemanha.
O preconceito contra a valsa nessa época era tamanho, que foi proibida inclusive na Alemanha por Wilhelm II. Nessa época, ela já tinha sido exportada para a América e também era criticada na América do Norte pelas sociedades de Boston e da Philadelphia. Enquanto isso, ela era dançada no clube social de Londres “Almack” pelo Imperador Russo Alexander, pela Princesa Esterhazy, do Reino da Bavária, e pelo Lord Palmerston, ficando conhecida então como “Valsa Imperial”, decretando assim que seria impossível a sua extinção. Mas a sua existência foi podada por decretos de ordem pública, onde lia-se:
• “Os homens e as mulheres devem se vestir decentemente para a valsa.”
• “Nenhum homem pode dançar em calças e gibão sem um casaco.”
• “Mulheres e meninas não devem ser jogadas”.
A mudança de profana para bela ficou por conta dos compositores do início do século XIX, e em especial devemos citar a família Strauss e Lanner. Que com suas composições melodiosas, belas e suaves, conseguiram, aos poucos, guiar a dança para novos rumos, com a eliminação dos movimentos bruscos e da diminuição do tamanho dos passos, que tornaram-se deslizantes, fazendo a dança mais aceitável pela sociedade.
Segundo a história, nos bailes das Cortes europeias, essas danças eram precedidas por outras em tempo 2/4, que na conclusão viravam ¾, o que era chamado de Nacht Tanz, ou Pós Dança.
Então, pelo que podemos verificar, essas diferentes danças vindas dessas duas regiões europeias: França/Itália e Alemanha/Áustria, contém elementos do que hoje conhecemos como elementos da Valsa Vienense. Apesar de não ficar claro uma junção entre as duas danças, fica visível uma ligação cronológica entre as duas, e o mais importante, o inquestionável fato de ambas serem dançadas no mesmo período, pelas mesmas cortes. Seria errado afirmar que a valsa como conhecemos hoje é resultado da junção dessas danças, mas não seria tão pretencioso assim afirmar que essas danças, juntas, possibilitaram o surgimento da valsa como a admiramos hoje.
Estilos de Valsa
Como disse no início do texto, a valsa foi tão bem absorvida e modificada nos povos, que existem dezenas de estilos. Ficaria muito maçante explicar sobre as diferenças do ponto de vista da técnica de dança. Por isso, restringirei apenas em citar alguns estilos.
• Valsa Vienense: A dança é rápida, elegante e leve.
• Valsa Lenta (Boston Waltz ou Valsa Inglesa): Elegante, discreta, exige grande disciplina e boa técnica. É caracterizada pela mudança de ritmo, existência de pausas e fermatas.
• Valsa Argentina ou Valsa-tango: Estilo combinado, que mescla elementos do tango e da valsa.
• Valsa Figurada: Caracterizada pela execução rígida de elementos em figuras.
• Cross-Step Waltz: Tempo lento e caracterizada pelo primeiro passo sendo cruzado em ambos os dançarinos.
• Valsa Escandinava: Pode ser devagar ou rápida, mas é caracterizada pelos dançarinos estarem sempre em rotação.
• Contra Waltz: Usa tanto a posição fechada quanto a aberta, e incorpora elementos de outros ritmos mais modernos, como o swing, o jive e a salsa.
• Cajun Waltz: É dançada progressivamente ao redor do salão e é caracterizada pela oscilação sutil dos quadris e passos muito perto da caminhada comum. É dançada inteiramente na posição fechada.
Temos ainda outros vários estilos que são caracterizados pelas regionalidades em suas melodias, assim como:
• Valse Mussete (França, Séc. XIX)
• Valsa Irlandesa
• Valsa Peruana
• Valsa Mexicana
A valsa no Brasil
A valsa desembarcou no Brasil junto com a família real Portuguesa, em 1808. Chegaram juntas ao Brasil a forma rápida da valsa Vienense e a moderada francesa. Após a Convenção de Viena (1814/1815), o compositor responsável pela sua programação musical, o austríaco Sigismund von Neukomm é convidado para vir ao Brasil ensinar composição e harmonia ao jovem D. Pedro I, e piano à Princesa Leopoldina. Está registrado no diário do compositor, entre os dia 6 e 16 de Novembro do ano de 1816, a realização de uma “fantasia sobre uma pequena valsa”, dentre outras 6 composições, compostas por Sua Alteza Real.
A popularidade da Valsa no Brasil ganha proporção nacional na segunda metade do século XIX. Influenciando as serestas e as modinhas (que adotou o ¾), a valsa era o ritmo romântico mais popular no país do final do Séc. XIX até a década de 40 do Séc. XX, quando perde espaço para o samba-canção, e depois para a Bossa Nova. É encontrada nos repertórios de Villa Lobos, Carlos Gomes, Chiquinha Gonzaga, Lorenzo Fernandez, Zequinha de Abreu, Ernesto Nazaré e muitos outros. Na década de 30, com o rádio, a valsa ganha mais visibilidade ainda nas vozes de Augusto Calheiros, Francisco Alves, Orlando Silva, Sílvio Caldas e Carlos Galhardo, este último sendo considerado o Rei das Valsas no país. Nos anos 70 e 80 do século XX, podemos destacar dois clássicos das nossas valsas: “Luiza” de Tom Jobim e “Beatriz” de Chico Buarque.
Detalhe da primeira página de “Método Correto de Valsar Alemão e Francês” de Thomas Wilson (1816), mostrando nove posições da Valsa, no sentido horário a partir da esquerda (os músicos estão na extrema esquerda). Autor desconhecido.
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