Uma trajetória de mil passos começa com o primeiro.
Não sei com quantos passos se faz uma bailarina, mas sei que o mais difícil deles é o primeiro.
E quanto mais a gente adia, mais difícil ele se torna. A minha paixão pelo ballet foi adiada pela ditadura. Aos treze anos, quando ensaiava o meu primeiro passo, fui violentamente despertada por uma realidade que não deixava dúvida: sobreviver, apenas, já era um grande sonho.E sobrevivemos. Sobrevivemos à expulsão do meu pai, acusado de subversão pela Marinha. Sobrevivemos ao choque de realidade, que devorava com perversidade uma alma de bailarina.
Por outro lado, caso não fosse essa a minha história, não estaria, hoje, podendo inspirar pessoas na busca de suas realizações igualmente tardias. Deus escreve certo por passos tortos.
Não sei de quantos passos será a minha trajetória, mas quero poder olhar para o passado aliviada por ter dado o primeiro, que vai ficando cada vez mais distante, enquanto o esforço do dia-a-dia vai desabrochando uma inesperada bailarina. E a esperança de que vai haver um “depois” nos ajuda a aceitar um frustrante “antes”.
Passo a passo, venho me equilibrando nesse sonho, que não existiria se não fosse o primeiro. Olho para este vídeo, gravado em janeiro de 2012, e ao invés de sentir vergonha pelas deficiências que hoje enxergo tão claramente, sinto é um alívio enorme de já ter superado algumas delas. E isso é de uma felicidade imensa, a felicidade de reconhecer que, como já alertava Fernando Pessoa, tudo vale a pena, quando a alma não se apequena.